Justiça – ruptura<br>ou continuidade?

José Neto

Os as­suntos da Jus­tiça con­ti­nuam na ordem do dia, em torno da re­a­ber­tura de tri­bu­nais ou da falta de fun­ci­o­ná­rios ju­di­ciais e ma­gis­trados, do ele­vado valor das custas ou da len­tidão da Jus­tiça.

Os pro­blemas da Jus­tiça vêm de há muito, e têm-se agra­vado, fruto das po­lí­ticas le­vadas a cabo ao longo de 40 anos, com um mar­cado con­teúdo de classe, por su­ces­sivos go­vernos e po­lí­ticas de di­reita, do PS, PSD e CDS/​PP, que de­gra­daram e dei­xaram de­gradar as con­di­ções de re­a­li­zação da Jus­tiça e a imagem que dela têm os ci­da­dãos do nosso País. Olhando para os quatro anos da go­ver­nação PSD/​CDS, o ba­lanço é por de­mais de­sas­troso, agra­vando a in­sa­tis­fação dos tra­ba­lha­dores e do povo, que não con­segue aceder aos tri­bu­nais para de­fender os seus di­reitos, e o sen­ti­mento de que a Jus­tiça é im­po­tente pe­rante os grandes in­te­resses eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

No novo quadro po­lí­tico re­co­nhecem-se me­didas e si­nais po­si­tivos, que vão desde a maior dis­tensão entre a tu­tela e os pro­fis­si­o­nais, às cor­rec­ções ao mapa ju­di­ciário, pas­sando pelo pa­ga­mento das dí­vidas aos ad­vo­gados pelas de­fesas ofi­ci­osas ou pela nor­ma­li­zação dos cursos de re­cru­ta­mento de ma­gis­trados. São pe­quenos passos, ainda muito in­su­fi­ci­entes, quando os con­fron­tamos com a imen­sidão dos pro­blemas e si­tu­a­ções, que per­duram, como a falta de in­ves­ti­mento para fazer face a ca­rên­cias de toda a ordem, a cró­nica falta de ofi­ciais de Jus­tiça e de ma­gis­trados ou a pre­ca­ri­e­dade de meios hu­manos e ma­te­riais na in­ves­ti­gação cri­minal, ou ainda a falta de res­posta às dis­fun­ções e con­di­ções in­dignas que per­ma­necem no dia a dia do sis­tema pri­si­onal.

O mapa ju­di­ciário, apro­vado pelo an­te­rior go­verno, com a forte opo­sição do PCP, con­duziu ao en­cer­ra­mento, de­sac­ti­vação e des­qua­li­fi­cação de inú­meros tri­bu­nais, afas­tando do acesso à jus­tiça as po­pu­la­ções de grande parte do ter­ri­tório na­ci­onal.

A al­te­ração do mapa ju­di­ciário e as me­didas agora to­madas, com a de­ci­siva con­tri­buição do PCP, vêm cor­rigir os as­pectos mais gra­vosos da lei an­te­rior, re­pondo a re­a­li­zação de jul­ga­mentos em 47 mu­ni­cí­pios do País, de­vendo ser acom­pa­nhadas dos ne­ces­sá­rios meios que ga­rantam o fun­ci­o­na­mento efi­ci­ente desses tri­bu­nais.

A subs­ti­tuição de ofi­ciais de jus­tiça por fun­ci­o­ná­rios de au­tar­quias, mesmo que em nú­mero li­mi­tado e ainda que apre­sen­tada como me­dida (su­pos­ta­mente) tem­po­rária, me­rece a nossa clara dis­cor­dância, por se tratar de uma de­cisão de­sa­jus­tada e que não dig­ni­fica a função ju­di­cial.

Este as­pecto, do di­reito de acesso dos ci­da­dãos à jus­tiça e aos tri­bu­nais, para de­fesa dos seus di­reitos e in­te­resses, em con­di­ções de igual­dade, está muito longe de ser uma re­a­li­dade. E se a nossa Cons­ti­tuição ex­pres­sa­mente prevê e afirma esse di­reito, «(...) não po­dendo a jus­tiça ser de­ne­gada por in­su­fi­ci­ência de meios eco­nó­micos», então es­tamos pe­rante um cla­mo­roso in­cum­pri­mento, por omissão, da Lei Fun­da­mental, uma vez que, todos sa­bemos, a es­ma­ga­dora mai­oria da po­pu­lação não dispõe de meios eco­nó­micos para aceder aos tri­bu­nais.

As custas ju­di­ciais atin­giram va­lores es­can­da­losos, in­com­por­tá­veis para a bolsa dos por­tu­gueses. O apoio ju­di­ciário, também é sa­bido, não é digno desse nome, já que, pra­ti­ca­mente, se aplica apenas em si­tu­a­ções de in­di­gência.

Pilar do re­gime de­mo­crá­tico

Es­tamos pois con­fron­tados com a ne­ces­si­dade de al­terar este es­tado de coisas, seja pela re­visão dos cri­té­rios de atri­buição do apoio ju­di­ciário, seja por voltar a equa­ci­onar a cri­ação de um ser­viço pú­blico para a de­fesa ofi­ciosa e o pa­tro­cínio ju­di­ciário. Mas, se­gu­ra­mente, a si­tu­ação exige uma mu­dança ra­dical do re­gime de c

Por pro­posta do PCP, apro­vada no Or­ça­mento do Es­tado para 2017, foi tra­vado o au­mento das custas ju­di­ciais. Graças ao PCP, em 2017 não há lugar à ac­tu­a­li­zação das custas pro­ces­suais, de forma a me­lhorar a aces­si­bi­li­dade dos ci­da­dãos à jus­tiça.

Con­ti­nuam por res­ponder pro­blemas de fundo nesta área da so­be­rania na­ci­onal.

No radar das po­lí­ticas de jus­tiça são vi­sí­veis as li­nhas de con­ti­nui­dade das po­lí­ticas de go­vernos an­te­ri­ores, mas não se di­visam si­nais con­sis­tentes de rup­tura, que há muito se exigem. Rup­tura e in­versão do pro­cesso de de­gra­dação do apa­relho ju­di­ciário, do­tando os tri­bu­nais do Es­tado dos meios ne­ces­sá­rios para cum­prirem a sua função. Rup­tura e re­versão do pro­cesso de des­ju­di­ci­a­li­zação e pri­va­ti­zação da ad­mi­nis­tração da jus­tiça, com a proi­bição do re­curso à ar­bi­tragem nos li­tí­gios que en­volvam o Es­tado e a li­mi­tação dos meios al­ter­na­tivos de re­so­lução de con­flitos. Rup­tura para uma vi­ragem con­sis­tente no com­bate ao crime eco­nó­mico e à cor­rupção, com uma po­lí­tica de efec­tiva do­tação de meios para a in­ves­ti­gação cri­minal, com o re­forço do Mi­nis­tério Pú­blico e a re­va­lo­ri­zação da Po­lícia Ju­di­ciária e com o aper­fei­ço­a­mento do quadro legal exis­tente, no sen­tido de uma real cri­mi­na­li­zação do en­ri­que­ci­mento in­jus­ti­fi­cado e do com­bate sem equí­vocos aos offshore. Rup­tura e com­bate a quais­quer ten­ta­tivas de in­ter­fe­rência do poder po­lí­tico no poder ju­di­cial, com es­cru­pu­loso res­peito pela se­pa­ração dos po­deres, ga­ran­tindo mais, e não menos, in­de­pen­dência dos juízes e mais, e não menos, au­to­nomia do Mi­nis­tério Pú­blico.

Como é seu dever o PCP, com a sua luta e ini­ci­a­tiva, con­ti­nuará firme na de­fesa de um poder ju­di­cial in­de­pen­dente, pilar fun­da­mental do re­gime de­mo­crá­tico.

 



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